A história de um bebê: Benjamim (parte II)
Pra cortar os termos médicos que só eles entendem, as artérias que levam sangue pro bebê, estavam comprometidas. O alerta ligou, entrei em repouso, aumentei a atenção com alimentação. Mas até então, tudo bem. O coração estava em paz. Toda gravidez tem sua peculiaridade, essa era a nossa e tudo ia ficar bem.
Na mesma semana, fomos encaminhados
pra uma ultrasonografia diferenciada, com um especialista renomado. O
consultório do cara parecia uma sala de controle da NASA. A tela onde o Ben
aparecia era de cinema, nunca tinha visto meu filho tão nítido. Deu pra ver até
que era beiçudinho como o pai. Mas não deu pra curtir a tecnologia por muito
tempo, logo a cara do médico se contorceu. Virou uma mistura de "deu
ruim" com "dá pra resolver", que a gente não conseguia decifrar.
Pra ajudar meu sistema nervoso, o doutor não dava uma palavra.
Quando enfim ele resolveu se manifestar, disse que tínhamos grandes probabilidades de ter um bebê prematuro. Que a equipe trabalharia pra levar a gravidez o mais longe possível, mas que o quadro não era bom. A boa notícia era que nosso filho era um garoto esperto, já tinha se adaptado ao cenário desfavorável e parado de crescer, o que preservava ele. A notícia irônica, era que teríamos um filho pequeno. Logo a gente, 1.90m e 1.75m de altura. A má notícia, era que agora o coração tinha apertado.
No caminho de volta, não parava de
pensar naquelas imagens que a gente vê na Internet, de bebês minúsculos, cheios
de tubos e fios. Pedi a Deus pra nos guardar daquilo. Chegando em casa, o que
era repouso, virou quase um coma induzido. Eu mal me movi durante uma semana, e
comi mais saudavelmente que a Gisele Bundchen em semana de desfile.
Quando
voltamos pro consultório espacial, tivemos boas notícias. O quadro tinha melhorado e o médico nos
encheu de esperanças. Com o cenário daquele jeito, poderíamos chegar a 32 ou 34
semanas de gestação. Um bebê nesse estágio, geralmente não passa nem pelo
respirador. Seria tranquilo. Fizemos as contas, ajustamos nossa agenda, mantive
o repouso e a alimentação. A tensão tinha ido embora. Respiramos aliviados por
7 dias.
Na terceira visita ao consultório, a casa caiu. O quadro tinha agravado, não conseguiríamos levar a gravidez muito mais pra frente. Estávamos com 29 semanas, faltando 2 dias pra completar 30. Pela primeira vez depois do diagnóstico, eu chorei. Chorei metade do caminho de volta pra casa, ganhei um abraço de Jesus e fiquei bem.
Mandei as imagens da ultra pra obstetra, por whatsapp mesmo. Sosseguei e
fui almoçar. As marceneiras que fizeram os móveis do quartinho dele, estavam
montando as coisas, meus pais tinham ido me visitar. Estávamos conversando
sobre o que ia acontecer, na expectativa de que o parto seria na próxima
semana. Eis que o telefone toca, e a Dra
Fernanda nos manda pro hospital.
Eram 14h30, ela disse "larga tudo e vai,
hoje a noite seu bebê nasce". Foi toda adrenalina e loucura de um parto
normal, só que seria cesariana. Minha mãe e meu marido ficaram nervosos, eu
surtei. Não sabia se chorava, se corria. Se seria a Nath agilizada ou a Nath
descontrolada. No fim das contas, fui só a Nath. Cheia de medos, tentando
convertê-los em fé.
A sensação de chegar a emergência do hospital e pedir pra
ser internada pra parto, sem estar sentindo nada, foi bem estranha. Gastei
tempo explicando as recepcionistas. Me encaminharam pra um médico com cara de
mexicano muito engraçado, não lembro o nome dele, porque mentalmente só o chama
de Don Jamón. Gastei mais um tempo pra que ele entendesse o que estava
acontecendo, mas nossa comunicação não estava muito eficiente. Minha médica
precisou ligar pra ele e por fim funcionou. Fui internada.
Fiquei deitada em um quarto, assistindo A Usurpadora, enquanto uma medicação específica pro Benjamim, corria na minha veia. Eu prestava tanta atenção na novela, tentando não ficar nervosa, que quase aprendi espanhol, só fazendo leitura labial dos personagens.
Minha mãe estava comigo, mais nervosa do que eu, mas a amei ainda
mais por tentar fingir que estava calma, só pra me ajudar. Cada vez que o medo
tentava entrar na minha mente, como Jack Nickolson com aquele machado em
"O Iluminado", eu dava ordem pro meu cérebro "foca na
Paola".
Quando o maqueiro entrou no quarto, pra me levar pro centro
cirurgico, tudo ficou em câmera lenta. As luzes passando no teto, me senti em
um episódio de House, dei graças a Deus por ele não ser meu médico. A última
coisa que eu precisava, era lidar com um sádico.
A equipe que ia fazer o parto,
estava super descontraída. Falavam de coisas corriqueiras, sorriam. E eu
anestesiada, antes mesmo da anestesia. Mal ouvia o que falavam do lado de fora,
estava ocupada do lado de dentro, mandando o Ben ser forte, e torcendo pra ele
obedecer.
A cajadada final no meu emocional, foi que meu marido não poderia
assistir o parto. Não sabiam o que esperar. O bebê era muito pequeno, poderia
nascer roxo, sem ar. Tudo poderia acontecer e eu estava sozinha.
Naquele momento, foi como a rede
elétrica de uma casa velha, que cai quando é sobrecarregada. Meu cérebro falou
pro meu coração "fecha os olhos e conta até 100, deixa que daqui pra
frente, eu assumo." Fiz a velha oração do "Senhor Tu sabes",
usada nos momentos que a gente não sabe o que falar, e comecei a viajar em
coisas nada a ver.
Sentia os médicos mexendo no meu corpo, olhava pro monitor
com meus sinais vitais, fingindo que entendia o que via. Ouvia as reclamações
sobre a mesa que balançava, pensei "preciso mudar de plano de saude".
Senti mais frio do que quando assisti "O Dia Depois de Amanhã" no
cinema, imaginei se alguém já tinha morrido de hipotermia durante um parto. Até
que no meio dos meus devaneios, ouvi "ele tá vindo".
Voltei pra terra, meu coração acelerou. O Benjamim nasceu, e contrariando as expectativas, veio chorando. Claro que eu chorei junto. Ainda não tinha visto o rostinho dele, nos encontramos rapidamente depois, porque ele tinha que ser examinado. Mas eu já amava o dono daquele choro com todas as minhas forças, de uma forma absurda, minha ficha caiu: sou mãe.