A história de um bebê: Benjamim (parte III)

16/01/2017

"Só consegui ver o Ben direito, no dia seguinte. Meu marido me levou pelo hospital, de camisola, em uma cadeira de rodas e eu achei tudo muito engraçado. Estava tão feliz que tinha dado tudo certo no parto, que esqueci que meu filho estava em uma UTI..."

Fui vê-lo com a imagem do que se espera de um bebê na cabeça: algo fofo, rosado e bochechudo. Quando cheguei lá, era exatamente como nas fotos do Google. Um bebê minúsculo na incubadora, muito frágil, deitado em um monte de algodão. Entubado, com os olhos cobertos por uma touca horrorosa e aquela luz azul em cima. Foi como um soco no estômago. Não lembro de uma palavra que a médica disse, e ela passou bastante tempo tentando me explicar os procedimentos e o que estava acontecendo. Fingi que estava com dor na cirurgia, e fui embora, mas na verdade o que estava doendo, era o coração.

Ir pra casa sem o Benjamim foi amargo. Me senti traindo meu bebê e sendo traida pela vida. Meu senso de justiça própria gritou como um bicho ferido. Não era justo. Tanta gente que tem filho sem querer, de qualquer jeito, tem por ter. Não se cuidam, não planejam, e as crianças nascem fortes como um touro, prontas pra vida. Por que eu que vivi pra aquela gravidez por sete meses estava passando por aquilo? Por que meu filho que era nosso sonho, precisava sofrer daquele jeito? Essas perguntas me agrediam dia e noite, enquanto eu tentava achar forças pra enfrentar aquilo tudo. Os questionamentos drenavam minha energia, muito mais do que qualquer corte no meu físico.

Meu marido foi incrível, um doce como só ele sabe ser. Me amou profundamente nos meus dias mais sombrios dessa jornada, e se eu levantei do chão onde aquele soco do primeiro dia me deixou, foi graças a ele, que quando precisei, foi forte por nós dois,

Certo dia estava deitada no sofá, que por ora tinha virado meu leito, sendo consumida pelo bicho que ainda gritava aqui dentro, e Jesus me abraçou mais uma vez. Naquele abraço eu entendi que o que estava acontecendo, não tinha nada a ver comigo ou com o Ton. Era sobre o Benjamim. Era sobre a história dele. E nos colocar no centro disso, era um egoísmo mesquinho que não pode existir nos bons pais. Como meu sonho era ser uma mãe incrível, joguei aqueles sentimentos fora. Tomei um banho, onde lavei meu corpo, minha alma e meu espírito e fui ver meu filho.

Não tenho palavras pra descrever o quão essencial a equipe da UTI neonatal foi nesse processo. Muito mais que profissionais, foram amigas. Por trás de cada uniforme, eu vi humanidade. Vi olhos de amor, que nos deram suporte e carinho em todos os dias. As enfermeiras, técnicas, fisioterapeutas e médicas que cuidaram do Benjamim, me ensinaram o poder que a paixão tem na vida das pessoas. Vou me lembrar delas, cada vez que estiver prestes a fazer algo sem amor, essa vai ser minha maneira de honra-las daqui pra frente.

Passado o abatimento dos primeiros dias, descobri que meu bebê era muito mais valente do que eu podia imaginar. A vitalidade do Benjamim, cativou a todos. A equipe médica, o pessoal da limpeza, até mesmo as outras mães, se surpreendiam com a força do nosso bebê, que se recusava a acreditar que tinha apenas 1kg.

O Ben nasceu dia 1° de Dezembro, e mantivemos essa informação em um círculo muito restrito de pessoas. Queríamos nos preservar. Era engraçado receber mensagens perguntando sobre a gravidez, com meu filho já aqui fora.

Cada dia que passava, o Ben ficava mais forte. E quanto mais o quadro dele evoluía, eu evoluía como mãe. Cada dia que ele melhorava, eu melhorava como pessoa. Cada segundo do lado dele, era um aprendizado.

Toda vez que chegava no hospital, era com a expectativa de algo novo. E cada pequena ou grande novidade, era uma vitória pra nossa família. Um dia ele não precisava mais ficar na luz azul, outro dia não precisava mais ficar entubado. Depois não precisava de ajuda pra respirar. Depois não precisava de sonda pra comer.

Nossas conquistas incluíam a primeira troca de fralda, o primeiro colinho, o primeiro banho de banheira. Coisas que são corriqueiras pra um bebê comum, mas grandes passos pra um prematuro. Principalmente pros país do prematuro. Uma fralda suja pro Ben, é só uma fralda suja. Coco. Pra gente, é o intestino dele funcionando bem. As coisas vão ganhando outro sentido, e descobrimos dimensões novas pra palavra gratidão.

Com o Benjamim eu aprendi que gratidão não é um sentimento, gratidão é uma escolha. Nós podemos optar pela gratidão ao invés da amargura ou do medo. E um coração grato sempre bate mais redondo, mais limpo, enxuto. Coração tipo crossfit. Pode até passar por obstáculos, mas tá em forma. Transpira, mas vence.

Passada a fase de estabilizar o funcionamento dos sistemas, as medicações foram dispensadas. Entramos na fase 2 "de grama em grama". 1kg, que era o que o Ben precisava ganhar, parecia toneladas. Eu olhava pra um saco de feijão em casa e ficava pensando como aquilo parecia pouco. Daí lembrava das minhas dietas e como é difícil emagrecer, daí parecia muito. As enfermeiras diziam que ele estava ganhando peso rápido. Ganhar peso rapido no meu entendimento, era pegar um lanche do McDonald e no dia seguinte o botão da sua calça estar pedindo socorro. Ao meu ver, o Ben estava ganhando peso no ritmo de um caracol com sono. Alguns dias eu chegava na euforia e perguntava quanto ele estava pesando, em outros não tinha coragem e mandava o Ton pra fazer o trabalho "sujo".

Mas se nos números as gramas pareciam não fazer diferença, no físico do Ben era absurdamente ao contrário. Cada 10g era um pouco mais de coxinha, de bochecha. Passado os 1.500kg, ele já estava irresistível. Um bebê gostoso de olhar e de pegar. Um combustível pro coração.

Entrando semana e saindo semana, incluindo Natal e Ano novo, o esgotamento bateu. A rotina do hospital massacra a gente. Massacra o físico e o mental, a vida para. Tudo gira em torno da internação. A gente mal trabalha, mal faz qualquer coisa.

Quando não tô com o Benjamim no hospital, estou pensando em estar lá. Mas o que cansa mais é o emocional. Não só pelo nosso bebê, mas por tudo que nos cerca. Cada criança internada, tem uma história. Tem pais, tem susto, tem dezenas de pessoas por trás. Por fim, tá todo mundo no mesmo barco. Tentando se apoiar mutuamente, mesmo que em silêncio as vezes. Sendo amparados pelo time do amor, fantásticas em amenizar o sofrimento de um ambiente que por lógica, deveria ser hostil.

Hoje completamos 47 dias de UTI, torcendo pra evitar chegar em 50. Enquanto escrevo esse texto, estou na expectativa de que meu filho receba alta nos próximos dias.

Receber a notícia de que ele tinha batido o peso necessário, foi como música pros meus ouvidos! Quis beijar a enfermeira, mas ela estava ocupada.

Benjamim está ótimo, com suas bochechas gordinhas e olhos curiosos. Respirando, mamando, sujando a fraldinha com tranquilidade. Estamos loucamente apaixonados por esse rapazinho corajoso e sua vontade de viver.

Se me perguntarem o que aprendi com esse jornada toda, além de paciência, eu diria que valorização do amor. Saio dessa etapa apaixonada pelo amor, se é que isso é possível.

Nosso amor engordou o Ben, mais do que o leite. O amor das tias enfermeiras, cuidou do corpinho dele mais do qualquer remédio. O amor que recebemos dos nossos amigos e família, nos impulsionou por todo caminho.

Se eu viveria tudo de novo? Sim.

Descobrir o amor é uma lição que vale qualquer esforço. Eu aprendi através do meu filho, e escolho agradecer a ele por isso, por todos os dias da nossa caminhada.

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